Dia 26

Já percebi que criei uma nova Tella, uma Tella dos dias de isolameto, diferente da Tella dos dias normais. Já tenho umas espécies de rotinas, mas são só para mim. Eles fazem mais ou menos o que querem, desde que realizem as suas tarefas e que tenham um tempo dedicado à leitura. Não me apetece gritar ou aborrecer-me, ser a mãe chata nestes dias em que estamos sempre juntos, com regras. Ando a escolher as minhas batalhas e na verdade, optei por ter agora um tempo de tréguas. Não querem fazer desporto comigo? Tudo bem. Querem jogar PS durante horas? Força. Não querem comer fruta nesta refeição? Menos trabalho para mim a descascá-la. Querem hibernar no quarto a ver Netflix no telemóvel? Acho bem que vou fazer a mesma coisa. Querem jogar online Minecraft com os colegas da escola?  Claro, é tão bom ter amiguinhos, não é? Tudo isso inquieta a Tella normal mas a Tella do isolamento não quer saber.

Acordo, vou responder a uns emails, preparo mais umas coisas para as minhas aulas, que serão todas online a partir de terça. Não tomo pequeno-almoço. Ando a saltar a minha refeição preferida porque não gosto de não a partilhar com os miúdos, como o faço nos dias normais. 
Tenho como grande preocupação pensar nas refeições e saber que vinho vamos beber. A Tella dos dias de isolamento bebe mais álcool. O vinho faz-me estar mais feliz e mais solta. Menos inquieta. 
À tarde, volto ao trabalho mas passo pelo sofá antes. 
Como muito. Faço ginástica, leio, jogamos à sueca ( os sacanas estão a ganhar!),  estou agarrada ao ecrã do telemóvel, limpo o chão. O chão está sempre sujo e a precisar de ser aspirado diariamente. Sujamos muito durante o isolamento e não estamos a utilizar muito o  Roomba, que nos dias normais está programado para aspirar a casa às 15h30. Desprogramamo-lo também. Não fazemos muito sentido nesse aspeto, mas o que faz sentido nestes dias?
Andamos agora a ver a saga do Harry Potter, um filme por noite. Hoje vimos o 5°. Deitamo-nos tarde outra vez e este é o momento em que quase me apetece acabar com o cessar-fogo e gritar com eles, "Cama, já! É 1h da manhã! Sem mais delongas!" [Mentira, nunca ninguem em mim pronunciou a palavra delongas mas fica aí bem]. A Tella dos dias normais quase que vem ao de cima para reaver o poder. Deixo-a aparecer, que também é filha de deus, coitada - e ninguém gosta de perder o trono -  mas tenho de ter cuidado. Não vá ela aparecer e ficar, a malvada.
Sorrir e acenar pessoas. Sorrir e acenar.

[Mas grito, continuou a gritar mas não por causa das regras.]

Comentários

Mary disse…
Oh pá ri-me com este post.
A Mary da quarentena é o oposto disto tudo! Encontramo-nos nos gritos e no vinho ah ah ah
carolina disse…
Está uma delícia! O teu humor está a ficar au point!