Dia 20

Quando estamos todos na nossa bolha, aproveito o tempo para pensar, tecer enredos, divagar. Não estou a conseguir ler muito. O meu pensamento divaga para fora da prosa e cria a sua própria prosa.

Antes dessa coisa, o que queríamos? Melhor, o que queria?
Queria mudar de vida, mudar de profissão, mudar de escola, mudar de roupas, mudar de atitudes, mudar de casa, mudar de cidade e até mudar de país, se tivesse de acarretar mais uma crise por causa da banca. 
Queria mudar o meu corpo: menos gordura, mais músculos. 
Queria mudar de feitio: mais tolerante e menos bruta; mais racional e menos emotiva. 
Queria mudar os outros também: o meu pai, que come muito e escreve disparates nas redes sociais; o Pedro, que vive numa bolha e quero mais presente; o pai cá de casa, que lê pouco e fuma.

E agora, o que quero? As minhas respostas devem ser muito parecidas com as vossas. Andamos todos no mesmo mar, certo?
Percebi que não quero nada disso. Nada mesmo. Quero apenas que não haja conflitos, saques e momentos de medo por causa dessa pandemia. Quero que o meu pai, por ser uma pessoa de risco, não apanhe a puta da doença nem os meus avós. Aliás, nem ninguém. Não quero que os meus sejam um número naquelas infografias. Quero que as pessoas despedidas e em lay-off consigam recuperar os seus trabalhos para não sofremos muito.
Quero que haja um fim a isso, que o meu Tiago disse-me que me queria ver bem mas que estava sempre com ar de quem está a panicar.

E estou. 

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