(Des)encontro

Não sei quando fui ver a minha avó ao lar pela última vez. Terá sido em Setembro talvez. Entre confinamentos e idas à aldeia de um dia, não consegui ir ou, cá entre nós, não me apeteceu ir. Aquela não é a minha avó. Por que razão hei de lá ir? Porque sei quem é, claro. Eu sei. Percebo as vossas respostas mas eu sou cobarde e não quero vê-la assim.

Cedi, no entento, às pressões da família  (não me disseram mas da conversa mais ou menos subtil que me foram fazendo, entendi o seguinte "se fossemos como tu, ninguém a ia ver...).

Apareci de manhã no lar, sem marcação sem nada mas consegui estar com ela. Foi muito mau. Não devia ter ido. 

- Quem és?
- Sou eu, Aída. Sou a Tella.
- A Tella? A [diz o meu nome]...A [nome]...

[Fiquei super feliz porque associou a minha alcunha ao meu nome mas...]

- Não sei quem és. 
- Sou eu, avó.  Aída, sou eu, a Tella. 
- Ah, és a Alzira.
- Não. A Tella.

[Ela começa a ficar muito perturbada e diz nomes de familiares e vizinhas. ]

- Alberto, Fátima, Vitor, Isilda, Alzira, Jusubina...

 [ Completo todos os nomes da família para ver se chega a mim. Ela cada vez mais frustrada...]

- Não sei. Não consigo. [E dá um murro na mesa]. Porra, que a minha cabeça...

Desisto. Pergunta-me se estou na escola. Se as pessoas estão na escola. Digo que sim. De repente, outra vez:

- Quem és? 
- A Tella,  avó, a Tella. 
- Não sei quem és,  [meu nome]

Levantei-me. Quis abraçá-la. Não me deixaram. Parecia que íamos todos morrer se lhe desse um abraço, não percebendo que já estamos mortos quando não reconhecemos os nossos ou quando os nossos não nos reconhecem.  Não me venham com merdas do Covid e do camandro, que fico fora de mim com medidas que enjaulam velhos e que me interditam de dar um abraço à minha avó. Era um abraço. 
Só um abraço de despedida porque hoje a minha avó  morreu mais um pouco. E o meu coração morreu também mais um pouco com ela. 



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