Livro 4
"Emigrantes" - Ferreira de Castro
Conheci este autor há talvez 20 anos, com a obra "A Selva". Voltei novamente a ele com este livro absolutamente notável. Há autores portugueses pouco lidos e poucos reconhecidos e é uma pena.
"Emigrantes" conta -nos a história de Manuel da Bouça, homem pobre, analfabeto do inicio do século XX, que acredita, como todos, que se tornará rico se for trabalhar 4 ou 5 anos para o Brasil. Ele, que nunca fora a Lisboa, que se sentia sempre amedrontada em falar com os senhores da vila, decide ir para o outro lado do Atlântico aos 40 anos. No Brasil, rapidamente percebe que um pobre é e será sempre pobre em qualquer canto do mundo.
O livro acompanha a partida da sua terra até ao Brasil e mostra-nos os seus medos, as agustias da partida e da chegada, a sua ingenuidade, as suas derrotas, as suas decisões, as suas aventuras e as dores da saudade.
O livro é simplesmente genial, apesar de muito triste.
Em tempos tão sombrios, em que se põe em causa o outro, o que vem de fora, é sempre bom ler este género de livros e perceber que já fomos o outro e quisemos ser aceite e feliz. Ser emigrante é um tema intemporal...
Recomendo muito. "Emigrantes" entra diretamente para aquela lista dos melhores livros lidos até hoje.
[O livro tocou-me também porque 1) aos 40 anos, o meu avô paterno deu o salto, sozinho, para França, deixando cá a sua família, vivendo em bairros de lata para ganhar algum dinheiro e enviar aos seus; 2) o meu avô materno deu o salto com o irmão para França, deixando cá também a sua família e passando por privações que nunca quis narrar; 3) o meu bisavô, do lado paterno, fez como a personagem do livro, mais ou menos por volta dos anos 30. Pediu emprestado dinheiro para poder comprar um bilhete para o Brasil, deixando a mulher com 4 filhos. A minha avó tinha 4 anos. Nunca mais regressou. Ainda enviou uma carta com dinheiro para selar parte da dívida e depois disso, o silêncio. Quem foi com ele regressou e contou uma vez numa taberna, bêbado, que foi assassinado por um patrício lá da terra mas sem certezas. Eu acho que ele fez como os milhares de portugueses que foram e por lá ficaram: teve vergonha de regressar pobre.]
Comentários
Talvez volte a ele neste confinamento.
Não sei se concordas mas este confinamento está a ser mais produtivo em termos literários - tenho lido muito mais, e estou com mais cabeça.
Que sirva para alguma coisa esta experiência em confinamentos.
*herdei-o da biblioteca do meu pai, aliás toda uma coleção de grandes clássicos portugueses que nunca li.