Um texto sobre gatos e a lição que retiro destes dias.

Acredito que no dia em que a Fifi morreu, a sua alma felina fez uma visita ao James. Ter-lhe-á  sussurrado ao ouvido qualquer coisa como "Eu sempre fui a boss, a rainha do pedaço, a manda-chuva. A partir de agora, és tu o boss."
Deve ser por isso que o James, gato pacholas, come-e-dorme cá de casa, fofinho e amigo, recebeu a Lara muito mal. Investe contra ela. Ela, coitadinha, habituada a viver num gatil desde sempre, assusta-se e borra-se toda de medo, literalmente. Digamos que a lixivia e a esfregona passaram a ser demasiadas usadas.As noites, meus deus, que reboliço! Ela mia, bufa e grita, fazendo-nos despertar de hora a hora em pânico. 
O pai cá de casa e eu fomos tendo paciência, ralhando sobretudo com o James, que fica perplexo a olhar para nós tipo "então mas mas mas...". 
A paciência esgota-se muito rapidamente quando passamos a vida a limpar cocós e xixis e quando dormimos mal. Começamos então a tecer comentários pouco elogiosos à gata. Estávamos tão bem e fomos arranjar uma gata parva que não se controla. Porra pá, que azar! A pergunta era sempre a mesma: "onde é que me fui meter?": a Lara infeliz, sem comer durante dois ou três dias, escondida nos cantos da casa; o James zangado e a fazer com que o seu pior viesse ao de cima; eu fartinha de apanhar porcaria; o pai cá de casa passado com eles à noite e os miúdos na boa, embora o Pedro tivesse medo dela. 
Decidimos então devolver a gata. Sempre olhei com desdém para as pessoas que devolvem animais. Para mim, é um gesto horrendo abandonar um animal e achava que nunca seria capaz de o fazer. Sempre julguei essas pessoas e de repente, tornava-me nessas pessoas. A gata tinha conseguido fazer com que eu percebesse que também sou uma pessoa que faz coisas feias, incorretas e que tinha julgado pessoas sem saber os pormenores todos. Foi também difícil lidar com esse eu maldoso, que pensava que não existia. 
Falei com a instituição onde a fui buscar que nunca me julgaram, creio. São muito melhores do que eu, sem dúvida. Perceberam que não éramos a família adequada para a Lara e que ela estava muito infeliz. Marquei um encontro com eles para esse mesmo dia, à noite. 
Quando chegámos à casa, constatámos que os gatos estavam os dois na cozinha, embora longe um do outro e ela, sem tanto receio  e sobretudo sem fazer cocó pela casa toda. Até comeu sozinha, sem a minha ajuda e com ele relativamente perto. 
Foi o que bastou para voltar a ligar para o gatil e contar a reviravolta: a Lara fica connosco, até porque já me ensinou muita coisa: que estamos sempre a aprender...



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