Vizinhos
Há uns blogs que voltaram ao ativo e que escrevem todas as semanas sobre um tema. Podem ver aqui. Vale muito a pena.
Esta semana, escreveram sobre "vizinhos". Ao ler uma delas, lembrei-me dos meus e quis também falar da minha rua, em Franca, numa aldeia perdida nos Vosges. Vivi no 18, rue Clemenceau e no 20 viviam os nossos vizinhos mais próximos: eram os turcos, a familia Babacan.
A filha mais velha, a Oznur, era da minha idade. Depois havia a Perihan, dois anos mais nova, o Ekrem, da idade do meu mano e mais dois pequenos, o Sulyman e a Sulyan. Os pais eram o Mustapha e a Ezma. A Ezma era emancipada a maneira dela. Fumava (em casa apenas) porque, de acordo com o que dizia a todos os conhecidos, "o médico tinha receitado" Malboro. Eu achava estranho. A minha mãe dizia que ela é que sabia e punha logo um ponto final no assunto. Soridade, claro.
Eram muçulmanos, iam à mesquita e faziam o Ramadão. Quando o Ramadão acabava, faziam uma festa e convidavam-nos sempre. Éramos os únicos estrangeiros. Quer dizer, éramos os únicos portugais chez les Turcs en France.. Ficava fascinada pela bênção que os mais novos pediam aos mais velhos. Uma vez, pedi-a à Ezma. Ela riu-se. Havia música turca e a tv sempre ligada na televisão turca ou havia um VHS a passar um filme turco. Cheguei a ver vários, sem perceber uma única palavra, mas a ver na mesma.
Os homens comiam e bebiam chá na sala e as mulheres comiam na cozinha um pão fino cujo sabor detestava. Eu podia circular pelas duas salas até ter idade para não o fazer.
A comunicação entre nós e eles era escassa. As mulheres turcas falavam um pouco francês, mas eles quase nada. A linguagem, no entanto, nunca foi barreira para os afetos entre vizinhos. Jantei mil vezes na casa deles e eles na minha. Uma vez, por distração, a minha mãe deu uma sandes com fiambre ao Ekrem. Foi um segredo que jurámos nunca revelar a ninguém. A minha mãe, a primeira pessoa que me ensinou que as diferenças entre nós e os outros eram fundamentais e sempre de respeitar, andou angustiada durante uns dias...
Nas vésperas de partirmos definitivamente para Portugal, organizaram um lanche de despedida na casa deles, com outros turcos. Tenho uma filmagem do Mustapha, nesse dia, a dizer "Victor partir Portugal. Moi aussi un jour partir Turquie". Quando soube da sua morte, através das redes sociais das filhas, fiquei triste. Lembrei-me dessa frase. Liguei ao meu pai e chorámos juntos um homem que não víamos desde maio 1993.
Morreu em França, mas foi enterrado na Turquia.
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