Historia(s)

Estou a ler um livro cuja ação se desenrola num meio rural e pobre, com gente do campo, iletrada, acanhada, violenta e submissa a um Visconde qualquer, um Doutor vindo de Lisboa. Estou ainda no início mas este é o género de livro que me enche as medidas.
Bastou ler a frase "...quando os azedos da vida precisavam ser desafogados, surrava a mulher ..." para recordar as histórias sobre a minha família.
Do meu bisavô, soube desde sempre que tinha sido um dos melhores carpinteiro da zona e que era "terrível", de acordo com o meu pai. 
Era um dos homens mais temidos da aldeia. Baile onde chegava acabava sempre em briga feia.Tinha uma espécie de gangue, que rivalizava com outros de outras povoações. 
Violento, espancava a minha bisavó, chegando-lhe a partir um braço. Mais velha, corria abrigar-se na casa dos filhos se o marido chegasse da taberna bêbado ou com vontade de deitar fora as amarguras da vida pobre. Reza a história que filhos e noras lhe diziam que tinha de aguentar, que é a vida. Ouvi a minha avó muitas vezes referir-se a ela dizendo "a desgraçada" ou "a coitada". 
Reza a história também que o bisavô "tinha-se aproveitado" de uma rapariga "tonta", com deficiência, embora dissesse que era de mútuo acordo. Que ousadia desonrar uma mulher sobretudo quando era a filha do dono da fábrica. [Ainda há pouco tempo ouvi essa historia e alguém dizia que ele não a tinha violado, ela é que quis... Uma daquelas perspetivas masculinas que me irrita, adiante.]
Houve vingança. Apanharam-no e  deram-lhe não sei quantas facadas (quem conta a história diz sempre um número certo, tipo 30 facadas, 40, 50! ), deixando-o a morrer numa valeta (onde atualmente temos a nossa casa). Mas o homem sobreviveu. Era um velhaco e estes morrem de velhice. 
Eu gostava de saber mais histórias sobre este homem que o meu pai admira e desculpa qualquer comportamento. Fala do seu avô (e padrinho) com os olhos a brilharem e diz "era terrível mas boa pessoa". Dava-lhe tudo o que queria, entenda-se um naco de queijo da taberna, umas socas feitas por ele para não ir para a escola descalço ou um tinto ... aos 9 anos.

O meu gosto por livros desse género deve-se ao meu ADN, de certeza. 







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