2022

Já tentei escrever este resumo várias vezes, mas nada me ocorre. 2022 passou e parece-me que não foi inteiramente vivido. Estão a ver quando somos arrastados por uma onda mais forte, quando a maré está a subir? Estamos no mar, a rebolar, sem ter noção de espaço e do nosso corpo, para lá e para cá, ao sabor da força da águas. Sabemos que vai passar e que nos vamos conseguir levantar, mas até lá, a coisa é complicada e estamos aflitos. 

2022 foi muito assim.

Em retrospectiva, tenho muito presente a minha ida assustada para Madrid, a Ana à minha espera e a sua morte nas horas seguintes. Eu que tenho tendência em esquecer-me das coisas más que me acontecem, como se fossem umas reminiscências de um sonho, tenho estes dias bem gravados. A viagem de regresso e o choro descontrolado ao aterrar numa Lisboa chuvosa. Não chovia em Lisboa desde o início do ano. Creio, mas pode não ter sido assim, que não houve mais chuva nesse inverno. Foi tudo demasiado triste. Não soube lidar.

Depois disso, nada. A vida a acontecer em piloto automático, a ser levada pela maré, ao sabor das ondas.

A entrar e sair de salas de aulas num vaivém contínuo,  com 18 turmas e a incapacidade de me relacionar com crianças cujos nomes nunca soube.

Os meus filhos a entrarem e a saírem do quarto e eu a fingir que estavam numa bolha, sem perceber que eu é que estava numa. 

A comida a entrar desreguladamente no meu corpo, com muito vinho à mistura, e a ver-me engordar e a fingir que "é só hoje" .

A ida da Carolina para o outro lado do mundo, sozinha, que coicidiu com a partida da Ana, misturou-se na minha cabeça. Num sonho, uma era a outra. A incapacidade em falar dela sem chorar. Delas, na verdade.

A guerra da Ucrânia a entrar pela nossa casa adentro, com imagens tristes. 

A ausência de corridas.

O casamento a boiar em águas estagnadas. Nada de grave, apenas a acontecer, sem nada a assinalar, a normalizar a rotina de 20 anos de casamento. O pior de tudo numa relação.

Houve coisas boas, claro, mas não as consigo enumerar nem refletir sobre elas. Talvez esteja a exagerar, até porque os jogos de futsal do meu mais novo foram sempre um ponto positivo. Foi uma lufada de ar fresco ver as vitórias e conquistas consecutivas do meu filho. Até nas derrotas. 

O pai cá de casa sempre em casa, em teletrabalho para todo o sempre e a obrigação de estarmos em silêncio e fora do seu local de trabalho, ou seja, a nossa sala. Não poder estar à vontade em casa. A desorganização da sala, aka escritório da empresa com 3_pcs_dossiers_microfones_e_o_camandro, a mexer com a minha organização interior. 

Há um vazio. Que estupidez. 

E de repente vem o sol, as festas de Santo António e a descoberta das praias de Sesimbra. Terão ajudado a sair dessa letargia. Foi, no entanto, na ilha de Armona que acordei. Parece que estive sempre ali, à minha espera. Encontrei-me naquele mar sem ondas, naquele azul sem fim, como diz a Sophia. A partir daí, só me ocorrem coisas boas. O segundo semestre foi bom, apesar dos receios de uma doença que afinal não existia, felizmente.

O regresso lento às corridas, ao ginásio e à comida mais saudável. A percepção, de novo, que a vida é um longo rio tranquilo e não umas ondas a arrastarem-me. 

O Tiago e o seu sentido de humor, a sua simpatia, a sua imaturidade, a sua adolescência [suspiros], as namoradas que tenta esconder, mas que acabo sempre por saber, as suas notas na escola [suspiros...outra vez] aquém das minhas expetativas, as nossas gargalhadas a dois. Um puto fixe. 

O Pedro e a sua reserva, a sua postura desligada de todos, mas atento e preocupado na momento certo, as palavras desconcertantes que do nada me diz e que são tão assertivas que me desorientam, as máscaras que tem para várias secções da vida dele, os seus silêncios, a sua aparente antipatia, as gargalhadas dele e a forma como encosta a cabeça ao meu ombro. Ainda e sempre. Um puto fixe.

O pai cá de casa que começará num novo emprego em Janeiro do próximo ano e que deixará a sala. [Urros de alegria]. Teve a coragem de sair da sua zona de conforto para um desafio maior e será sempre o maior, para mim, por causa disso também.

Os livros terão sido uma espécie de bóia de salvação. Neles, esquecemos do resto,  vivemos outras vidas, abrimos novas janelas nas nossas cabeças. 

Há quem diga "we'll always have Paris". Para recapitular 2022, direi "we'll always have Armona and books".

Comentários

Carolina disse…
Está brutal! É mesmo isso!
Eu nem Armona nem livros, que é quase como dizer: continuo enrolada na onda…
Mary QA disse…
Gostei muito de te ler, como sempre aliás.
Curiosamente o ano em que mais li na minha vida foi também um dos piores (valeram-me os livros, mesmo!)
A ver se ganho coragem para escrever o meu resumo do ano, também.