2021 num só fôlego

Em 2021, estivemos confinados na casa dos sogros, na Aroeira. Foi muito bom. 
Em 2021, a casa dos sogros foi vendida e senti uma grande tristeza. Nunca tinha sentido nenhum apego às casas, até aquele momento. Ainda hoje falo do que perdemos com aquela casa. Já todos reviram olhos quando falo dela. Parece uma relação mal resolvida. 
Em 2021, uma amiga teve cancro e multipliquei as minhas horas para poder estar com ela. Tive de optar entre certas certas coisas. Deixei de correr para correr atrás do que realmente importa: a amizade. Deixei de ver séries ou de perder tempo nas redes sociais. Deixei os meus filhos a organizarem tudo em casa. Passaram no teste.
Nunca estive tão perto do cancro e posso agora juntar a minha voz a quem já passou por isso para dizer que é uma grande merda, mesmo. Entretanto, a ressonância não mostra nenhuma célula cancerígena mas os indicadores indicam qualquer coisa. Uma merda. 
Em 2021, a nossa casa da ilha foi vendida e deixámos de poder alugá-la. Para mim, foi um sinal do que seria o último ano lá. Alugámos outra e tudo correu maravilhosamente bem. Ainda não sei se irei para lá em 2022.
Em 2021, partilhei a grande alegria da Carolina. Quando soube da notícia,  emocionei-me. Que orgulho nela. É sempre imbatível e imparável. É mesmo muito boa, a maior. Quando penso na sua partida, antecipo a saudade e a dor de a ver ir para longe para me aguentar firme no dia D. 
Em 2021, comecei a fazer a minha árvore genealógica. Andei louca até às 3 ou 4h00 da manhã à procura de nomes nos vários assentes de batizado. Cheguei até 1870. Depois disso, fartei -me porque a caligrafia dos registos é dificílima de ler e porque os meus antepassados são meros nomes sem história. Tornaram-se desinteressantes. Encostei os meus apontamentos a um canto. 
Em 2021, vi os meus rapazes crescerem muito. São responsáveis,  corretos, queridos e o meu orgulho. O Tiago, embora adolescente que testa a nossa autoridade, continua a ser um miúdo simpático e super bem disposto. É um puto giro. O Pedro mudou muito. Saiu da bolha e fez amigos. Está mais dado, mais divertido e encontrou a sua onda, o seu registo. Continua meigo, mas com uma personalidade bem vincada. Tem muitos segredos. Separa a vida familiar da vida da escola e da vida no futsal. Nunca me conta nada do que acontece nos dois outros mundos dele. Acabo por ouvir boatos do Pedro na escola e custa a  acreditar que seja mesmo assim. Vejo-o a jogar futsal e não o reconheço em campo. Ele tem várias máscaras. Não sei se é bom ou não, mas é o que é.  
"É o que é" foi uma das expressões mais usadas em 2021. Começou a ser dita para encarar o cancro da minha amiga e alargou-se a todos os cantos da minha vida. Não se consegue mudar o inevitável. 
Em 2021, fui despromovida no trabalho.  Fui informada em setembro, numa sexta-feira. Fiquei em choque porque não estava à espera. A forma como tudo aconteceu deixou-me ansiosa. Nessa sexta-feira, quis esvaziar o meu gabinete mas senti-me engolida por tudo. No domingo à noite, tive uma crise de ansiedade e tive de tomar um comprimido sos. Tive medo de me sentir humilhada perante os outros.  Felizmente, nunca aconteceu. Muitos devem ter comentado nas minhas costas, o que é perfeitamente normal mas não me importei. Sinto-me bem. Deixei de ter apertos no peito ao entrar no local de trabalho. Como é que pude achar normal sentir ansiedade por trabalhar?  Respiro melhor e trabalho sob menos pressão. Saio à hora estipulada no meu horário, incrível. O ordenado ressentiu-se, verdade, mas nem tudo é dinheiro na vida. Nada paga o sossego da minha cabeça. Só agora entendi isso.
Em 2021, li 39 livros. Li muito coisa boa. O meu top 3 é "Os imigrantes", " As Vinhas da Ira " e num registo diferente "Coisas de Loucos". Deixei apenas um de lado "O Infinito num Junco". Que tédio! Os meus filhos,  a cada confinamento,  ficam mais dependentes e viciados em écran. A leitura é uma coisa que nao lhes dá prazer. Lêem pouco e sempre obrigados. Nem sei quantos livros leram, mas o Tiago deve andar por 4 ou 5 e o Pedro uns 8 ou 9. O velho do Restelo, que habita em mim também, olha para esta geração e pensa que está perdida e burra com aqueles jogos e tik-tok e afins.

Em 2021, estive 3 vezes como meu mano, mas quando estamos, é tão bom. Fico genuinamente feliz. Depois ficamos meses sem nos vermos ou falarmos. Nenhum de nós agarra no telefone para dizer olá. Também não enviamos whattapp,  apesar de estarmos em dois grupos. Somos desligados, creio. 
2021 foi ter cada filho no seu respetivo quarto, cada um a ver o que quer e nos na salaa a vermos uma coisa diferente. Às vezes, sabe bem , mas noutras, faz-me sentir mais velha. Embora saiba e diga que não vou para nova, que tudo no meu corpo e cabeça indique a passagem do tempo, são a ausência deles, o afastamento deles que me faz sentir a envelhecer porque eu ja não lhes basto, porque há um fosso geracional, porque há agora muitas diferenças.  É normal, eu sei, mas só não se sente quem não é filho de boa gente. 

2021 foi o ano que marcou o fim de várias coisas, que fechou portas mas o início de outras, que a vida é mesmo assim. 


Comentários

carolina disse…
Há tantas coisas boas e outras tantas comoventes neste post, que venho aqui várias vezes reler!