Livro 19 - "A Longa Viagem"

 "A Longa Viagem" de Jorge Semprun


Neste grande livro, o autor faz o relato da sua viagem, enquanto deportado, de França para um campo de concentração na Alemanha durante a segunda guerra mundial. Conta-nos como venceu a morte, como outros morreram naquele vagão frio.

O livro começa assim :" Há neste amontoado de corpos no vagão, esta dor lancinante no joelho direito. Os dias, as noites. Num esforço tento contar os dias, tento contar as noites. Quatro dias, cinco noites."

O relato é contado 16 anos depois de ocorrido e mistura-se com várias lembranças do autor: a sua chegada à França (é refugiado espanhol, "soldado vermelho"); momentos de sobrevivência dentro do campo de concentração; colegas na guerra e nos campos;  quando é preso pelos SS; o momento da libertação; os homens famintos aquando da libertação; o regresso à vida; momentos anos depois da libertação em que qualquer som o faz mergulhar novamente nos campos. E a viagem, a dura viagem durante a qual ele se agarra a tudo para resistir e não se perder. Já li (e vi)  muitas coisas sobre os campos de concentração, mas nunca sobre a viagem. Sobre a viagem, o autor escreve também "mais tarde, dentro de meses, saberei a que espécie de viagens eles obrigam os judeus. (...) Os judeus da Polónia viajaram seis dias, oito dias, dez dias, por vezes, com aquele frio desse duro Inverno. Sem comer, está claro, sem beber. À chegada, ninguém se mexia. Era preciso afastar a massa gelada dos cadáveres - judeus da Polónia,  mortos de pé,  gelados de pé, caíam como palitos no cais da estação do campo - para encontrarem alguns sobreviventes. ". Esta imagem fica assim parada para o leitor, congelada também ela. Mais adiante, muitas páginas à frente, ele volta novamente à chegada de mais um comboio de judeus e relata a surpresa de encontrarem no meio dos mortos crianças vivas. Faz o relato da chegada dessas crianças. Li tudo a chorar. No dia seguinte,  ainda tinha as imagens na cabeça e li-as em voz alta ao Tiago, para expiá-las, para que alguém pudesse ajudar-me a suportar o que tinha lido, para que todos soubessem o que tinha acontecido ali. Não sei explicar porquê. Li as três páginas ao meu filho, que se comoveu com o que ouviu e me disse querer coisa como "que horror, mas tem de ser lido". Isso, filho, isso. No dia seguinte, ainda falava do que tínhamos lido.

É um livro de leitura obrigatória e ainda por cima, está muito bem escrito e com um estilo próprio. É uma escrita que nos conduz pelo tempo sem nunca nos perdermos,  que nos prepara para o que aí vem e que nos dá tempo para respirar. 

 Quando um livro mexe tanto assim connosco, quando nos incomoda tanto, só pode ter nota máxima: 5 estrelas. 

Comentários