Da morte
Às vezes, esqueço-me que morreu. Penso que está em casa, à espera que eu chegue para lhe fazer companhia, para ouvi-la dizer "babe" , "Tella Marie" ou ainda "é o que é ".
Esqueço-me para não me lembrar que já não está cá. Esqueço-me porque é mais fácil não me lembrar.
Esqueço-me que apanhei um avião a uma quinta-feira para me juntar a ela e que a encontrei relativamente bem, dentro do quadro clínico dela. Esqueço-me para me esquecer que nessa quinta, a abracei a chorar, a saber que estava quase a chegar ao fim. Também rimos e conversámos muito, como se não fosse morrer em breve, a tentarmos fintar a morte ou a empurrá-la para longe.
Esqueço-me para não me lembrar que começou a partir no dia seguinte, na sexta-feira, e que morreu no sábado.
[ Estava à minha espera. Queria dizer-me adeus. Queríamos estar juntas uma última vez e sermos nós as duas nessa dinâmica de sermos as duas. Disso não quero esquecer, dessa certeza que tenho que aguentou que eu chegasse para poder morrer. Tinha partido há 15 dias de Lisboa para Madrid e eu disse-lhe que estava proibida de morrer sem estarmos novamente juntas, que não podia ir sem um último abraço. Como sempre, fez-me a vontade, fez mais um sacrifício por mim: manter-se viva e acordada até à minha chegada.]
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