Livro 16
"O Milagre segundo Salomé " - José Rodrigues Miguéis.
No dia 1 de dezembro, fui ao sótão buscar a árvore de Natal. No corredor que dá acesso ao respetivo sótão de cada morador do prédio, estavam 3 livros esquecidos. No dia seguinte aos Reis, fui arrumar a dita árvore. Os livros continuavam ali, à mão de semear. Agarrei num e pensei "olha, o Miguéis, só li dele o Arroz do Céu. " e segui...
Em Abril, fui lá acima novamente à procura de uma mala. Os livros permaneciam no mesmo sítio. "É um sinal. Vou levá-lo". [ Os outros dois continuam lá e pode ser que tenham o mesmo destino que este...]
Em boa hora o trouxe!
É um livro que me encheu as medidas. Houve um momento em que o comparei aos Misérables...
É um romance publicado em 1975, que já não está editado (há autores esquecidos e clássicos perdidos), que narra a história de Salomé, jovem pobre que chega a Lisboa, no início da República. Serve em casa de gente rica mas não consegue encontrar trabalho. Esfomeada, só e miserável, pensa acabar a sua vida nas águas do Tejo. Fraca e ingénua, é enganada várias vezes. Acaba num bordel, torna-se "amiga" com casa posta de um banqueiro rico e influente cuja história acompanhamos, desde a sua chegada a Lisboa com 16 anos, pobre e analfabeto. Ele sobe na vida, a pulso graças a sua dedicação mas também graças ao fim da Monarquia.
Acompanhamos estas duas personagens num Portugal tumultuoso, com greves constantes e quedas de governo, completamente desorganizado, a viver numa pobreza social mas também de espírito, supersticioso e ignorante, numa Républica podre e em agonia. Pelo meio há um Milagre, ocorrido a 13 de Abril, que ocupa os pobres mas enriquece os de sempre e dá azos a que um Sebastião qualquer chegue ao poder para pôr ordem nisso tudo, sendo essa a vontade da Nação.
Embora o autor diga nas notas finais que não é um lromance histórico, não estou de acordo. Sentimos o estado de espírito coletivo da Nação, das politiquices, do Clero e recria a situação da 1a República.
O livro tem dois volumes mas eu "tenho" a edição completa. A primeira parte é realmente muito boa. Lemos 300 páginas de um só fôlego. Entrei na vida das duas personagens completamente rendida. Ri-me com as tiradas sarcásticas sobre os portugueses de todos os estratos sociais e sublinhei varias constatações sobre nós próprios (percebendo que não evoluímos muito em muitos setores sociais mas adiante...). A segunda parte já tem mais momentos de introspeção sobre o clero, a banca e os políticos e confesso que nem sempre foi lido assim de rajada mas o livro continuou num nível alto.
Dou 4.5 estrelas e recomendo.
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